segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

"Bárbara" de Murilo Rubião (Uma apreciação crítica)

Este artigo tem como prioridade ressaltar a literatura fantásti-ca, a categorização dos personagens e principalmente verificar o aspecto da ficcionalidade no conto, compreendendo esta ficcionalidade como uma mímeses dos conceitos do mundo real e revelando uma possibilidade no imaginário. Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas (MG), no ano de 1961. Formado em Direito, foi professor, jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio inconfidência).
Foi o responsável pela organização do Suplemento Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu livro de contos "O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" em 1953; "Os dragões e outros contos" em 1965; "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" em 1974; "A casa do girassol vermelho" em 1978 e "O homem do boné cinzento e outras histórias" em 1990.
Teve seus principais contos traduzidos para diversos idiomas, alguns adaptados para o cinema e outros encenados. Faleceu em Belo Horizonte em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. O conto analisado, "Bárbara", faz parte do livro "O pirotécnico Zacarias" de 1974. O fato de Rubião não ser lido e estudado na mesma proporção do valor de sua obra se deve à forma como sua narrativa foi recebida pela crítica da época e também pela própria natureza de sua ficção. As primeiras críticas, na década de 40, consideraram que a narrativa muriliana frustrava as expectativas do leitor, pois o realismo parecia se transformar em insólito, tal julgamento deixou os livros de Rubião nas prateleiras por quase trinta anos, até a década de 70, quando eclodiu o fantástico hispano-americano.
No conto "Bárbara", o escritor inicia a sua temática com um provérbio cristão, na realidade, Murilo Rubião no início de seus contos sempre colocava epígrafes. A religiosidade e a fé dava ao escritor uma espécie de segurança e de conforto, que ele estampava em seus textos. A impressão que se tem é que o escritor se desiludiu com a religião, sendo assim, o mundo começa a lhe parecer absurdo, então a vida parece ser igualmente absurda. A tendência estética seria a "literatura fantástica", possuindo esta, características próprias.
A literatura fantástica é em sua própria essência, uma prática de construção de um imaginário que superpõe a realidade empírica, concreta, onde os homens desenvolvem suas existências cotidianas. "Para entendê-las devemos considerar que as duas realidades, a concreta e a ficcional, entram em um jogo de interdependências e interferências em que a ficcional se apresenta como uma irrealidade em relação à concreta" (JOZEF,1986,p.168).
Apesar de haver muitas vezes uma dificuldade em definir a narrativa fantástica, ela se constrói com base em algumas características particulares. Como diz Furtado: "O meta-empírico, entendendo como tal o que esteja para além do que é verificável ou cognoscível a partir da experiência, tanto por intermédio dos sentidos ou das potencialidades cognitivas da mente humana" (FURTADO, 1980,p.20).
A narrativa fantástica constitui-se numa estética que lida com o insólito. Esta realidade supra-humana está associada ao sobrenatural ou ao inexplicável, a presença da realidade supra-humana na literatura fantástica ocorre de forma peculiar. O conto "Bárbara", trata-se de uma invasão do inexplicável no mundo concreto, criando uma situação de ambiguidade que abala a nossa compreensão baseada na experiência cotidiana. O conteúdo do conto demonstra uma forma irônica, descontraída e bizarra de tratar a questão dos desejos e as possibilidades de realização. Há também um lado mórbido e sarcástico, tanto no aspecto do controle e do sofrimento que o homem está destinado, quanto da parte dela, da sua patologia do querer, além da sua obesidade, que aumenta em proporções estarrecedoras e cresce igualmente com as realizações dos desejos.
A categorização dos personagens obedece aos seguintes aspectos: O plano, já que em Bárbara permanece a construção de uma única idéia, no caso a sua obsessão e seu espírito imutável; e o esférico, revelando uma maior complexidade psicológica da personagem masculina. O companheiro de Bárbara narra de forma detalhada o empenho em satisfazê-la e retrata de que maneira ele utiliza para realizar. A criança no conto surge apenas como personagem secundário, um elemento de contraste em relação à Bárbara, aparentando um aspecto físico sempre raquítico e fragilizado.
A ficcionalidade no conto é uma transgressão da causalidade, a presença do fantástico. A sensação que se tem ao ler o conto é de perplexidade, a fantasia traz essa qualidade, pois evolui proporcionalmente, mostrando de que modo a farsa se inclui na vida diária, a loucura nos fatos corriqueiros, de modo que o ilusório torna real a liberdade de ação, indo de encontro às limitações e padrões estéticos do homem real.
O aspecto fantástico do conto está relacionado principalmente aos desejos absurdos de Bárbara, tais como:
"Lhe implorei que pedisse algo. Pediu o oceano".
"Pediu-me um baobá, plantado no terreno ao lado do nosso".
"Seria tão feliz, se possuísse um navio! ".
"Não pediu a lua, porém uma minúscula estrela, quase invisível a seu lado".
A proposta de ruptura consiste na promessa de um desenvolvimento normal, introduzido, quando menos se espera, pelo elemento absurdo. Na técnica, também pode-se fazer o inverso: situações inexplicáveis desenrolam-se como se o absurdo fosse comum. Tomando Octavio Paz como exemplo dessa duplicidade, de certa forma ele também traça um elo entre os dois lados do ser humano, a realidade e o fantástico ao tratar desses níveis de experiência: "La experiência poética es una revelación de nuestra condición original. Y esa revelación se resueve siempre en una creación: la de nosotros mismos. La revelación no descubre algo externo, que estaba ahí, ajeno, sino que el acto de descobrir entraña la creación de lo que va a ser descubierto: el proprio ser"(PAZ, 1996,p.154).
A ausência de rígidas demarcações entre o racional e o irracional e também, entre o real e o irreal formam a grande questão em Murilo Rubião. Pode-se chegar à conclusão de que a própria ficção não fica restrita às obras ditas ficcionais. Daí a oposição entre os termos e os comportamentos entre a pura ficcionalidade e o realismo-fantástico. A experiência do imaginário no mundo real, em Murilo Rubião e propriamente neste conto, teria uma relação com a condição humana defrontando e coexistindo com o insólito, neste caso, os personagens inseridos no cotidiano comum, deparam-se com uma ficcionalidade supra-humana que interage com o conceito de real.
Geralmente a narrativa nos contos fantásticos desenvolvem-se através de uma técnica que incita a dúvida e provoca um impacto que subverte a realidade cotidiana, deixando o leitor quase sempre em estado de incerteza com o que possivelmente viesse a acontecer em seguida, causando o que se chamaria de estranhamento, em face do absurdo ou inexplicável.

REFERÊNCIAS

RUBIÃO, Murilo. In: O pirotécnico Zacarias. 8 ed. São Paulo, Ática, 1981.p.29-33.
PAZ, Octavio. El arco y la lira. México: Fondo de Cultura Econômica, 1996.
CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1998.
JOZEF, B. A Máscara e o enigma. R.J.: Livraria Francisco Alves, 1986.
FURTADO, F. A Construção do Fantástico na Narrativa. Lisboa: Livros Horizontes, 1980.

Um comentário:

EddieVender disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.